A cerimónia de entrega da quinta edição do Prémio Maria de Sousa decorreu no dia 4 de novembro, na Ordem dos Médicos, em Lisboa, e distinguiu cinco vencedores, todos jovens investigadores da área das ciências da saúde: Neuza Domingues (MIA Portugal, U.Coimbra), Bruna Meira (Neuropsychiatry Unit, Fundação Champalimaud), Ângela Fernandes (i3S, U.Porto), Diogo Reis Carneiro (ICNAS, CNC-UC, FMUC, U.Coimbra) e Catarina Lopes (IPO-Porto).
Os projetos distinguidos focam-se na investigação nas áreas do envelhecimento celular, doença de Parkinson, cancro colorretal e cancro gástrico. Foram selecionados entre 45 candidaturas de investigadores afiliados a 29 instituições do Ensino Superior e centros de investigação.
Numa parceria exclusiva da Ordem dos Médicos e Fundação Bial, este prémio presta homenagem à imunologista e grande investigadora portuguesa Maria de Sousa, que será sempre recordada como uma personalidade ímpar da ciência a nível mundial.
Na primeira intervenção da cerimónia, o bastonário da Ordem dos Médicos recordou que esta cerimónia “evoca Maria de Sousa como referência maior da ciência e da cidadania e reafirma o caminho que a medicina, a ciência, a investigação e a ética traçam quando avançam lado a lado”. Carlos Cortes realçou ainda que “o Prémio Maria de Sousa não celebra apenas um galardão, celebra uma visão de comunidade, que acredita na inteligência, na coragem de pensar em profundidade e no valor do cuidado humano”.
No seu discurso, o presidente da Fundação Bial evocou Maria de Sousa, recordando que quem a conheceu sabe “o enorme prazer que tinha em apoiar os jovens com vocação para a investigação científica a desenvolverem, com satisfação pessoal, uma carreira focada nos mais elevados níveis de qualidade, sem tabus, sem fronteiras”. Luís Portela realçou ainda que Maria de Sousa desejava que “os jovens cientistas portugueses se preparassem para ombrear com os melhores, no contexto global”.
Já o Presidente do Júri destacou que este Prémio “une a ciência e a medicina como partes inseparáveis do conhecimento, que nesta altura é mais importante do que nunca reafirmar”. Rui Costa congratulou-se pela continuidade do Prémio, que já vai na sua quinta edição. “Demoram-se gerações a fazerem-se os cientistas e os médicos de amanhã, Maria de Sousa era cientista e médica, e quando se desfaz a continuidade, demoram-se novamente gerações; portanto, a continuidade, o estar e o fazer são muito importantes para a ciência portuguesa”.
O júri da edição de 2025 é uma vez mais presidido pelo neurocientista Rui Costa (Allen Institute, EUA) e inclui cientistas de renome que mantiveram uma relação próxima com Maria de Sousa: Maria do Carmo Fonseca (Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa), Miguel Castelo-Branco (Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional da Universidade de Coimbra), Joana Palha (Escola de Medicina da Universidade do Minho) e João Relvas (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto).
O prémio, que teve a sua primeira edição em 2021, é anualmente atribuído a cinco jovens investigadores, no valor de até €30.000 para cada um, incluindo obrigatoriamente um estágio num centro internacional de excelência.
Projetos premiados:
Neuza Domingues | “Lisossomas nucleares: desvendar a comunicação entre lisossomas e o núcleo”
O envelhecimento celular resulta de um processo dinâmico de deterioração dos organelos, da comunicação entre eles e da resposta ao stress. Um dos organelos mais afetados durante o processo de envelhecimento celular é o lisossoma, sendo a disfunção lisossomal um dos principais eventos, o que compromete a degradação de macromoléculas e organelos danificados, assim como a instabilidade genómica. Este projeto pretende demonstrar que a disfunção concomitante de lisossomas e núcleo está associada à perda desta comunicação, resultando em alterações moleculares de membrana e maior instabilidade genómica. No futuro, a caracterização destas interações abrirá oportunidades terapêuticas para doenças do envelhecimento, como as neurodegenerativas e as distrofias musculares.
Bruna Meira | “FOSI: Compreender os mecanismos de freezing da marcha usando a estimulação cerebral profunda”
Um dos sintomas motores mais incapacitantes na Doença de Parkinson (DP) é o freezing da marcha (FOG), definido como episódios súbitos e transitórios de bloqueio da marcha, que comprometem a autonomia e aumentam o risco de quedas. A estimulação cerebral profunda (DBS) do núcleo subtalâmico é um tratamento consolidado na DP, no entanto, o seu efeito na marcha e no FOG é heterogéneo e pode interferir com funções cognitivas. Este estudo pretende clarificar os mecanismos que originam o FOG e o efeito da DBS, bem como a relação entre cognição e alterações da marcha. Os resultados poderão orientar estratégias de estimulação mais precisas e personalizadas, com impacto direto na prática clínica e na qualidade de vida dos doentes com Parkinson.
Ângela Fernandes | “Adoçar o ataque tumoral: Glicoengenharia de neoantigénios para potenciar a resposta de células T CD8+ contra o cancro colorretal”
O cancro colorretal (CCR) está entre os cancros mais incidentes e letais no mundo, não havendo, de momento, um tratamento eficaz para todos os doentes. Um dos maiores desafios no tratamento clínico do CCR passa pelo caráter heterogéneo e pela complexidade genética desta patologia, assim como pela sua capacidade de escapar ao sistema imunitário, o que faz com que as terapias existentes não sejam eficazes para muitos dos doentes. Este projeto pretende explorar se o perfil de glicanos (açúcares complexos) presentes à superfície das células de CCR é capaz de modular a resposta imunitária e tem por objetivo final possibilitar o desenvolvimento de uma nova vacina baseada em ‘GlicoNeoantigénios’ para combater este tipo de cancro.
Diogo Reis Carneiro | “CaInPark - Interocepção cardiovascular: dos fundamentos neuroanatómicos à disrupção na doença de Parkinson”
A interocepção é a capacidade de nos apercebermos de que os nossos órgãos funcionam (ex. que o coração bate ou a bexiga está cheia). Este projeto pretende aprofundar a compreensão da interocepção cardiovascular, investigando as suas alterações em indivíduos com Doença de Parkinson (DP). Esta é uma doença associada a sintomas motores (lentidão e tremor), mas que na verdade também abrange a ligação entre o cérebro e as várias vísceras que sentimos funcionar. Este projeto parte da hipótese de que esta ligação entre cérebro e corpo, no caso da doença de Parkinson, é disfuncional. Para investigar essa ligação, os participantes vão ser estudados através de escalas que avaliam aspetos interoceptivos, emocionais e sintomas de vários sistemas do corpo.
Catarina Lopes | “SNIFF: Compostos orgânicos voláteis em saliva para deteção não invasiva de cancro gástrico”
O cancro gástrico continua a representar um desafio de saúde pública, com prognóstico desfavorável sobretudo devido ao diagnóstico tardio, o que limita a eficácia do tratamento curativo. Este projeto procura encontrar uma forma simples e rápida de o detetar precocemente, através de substâncias chamadas “compostos voláteis”, libertadas pelo nosso corpo, que podem ser encontradas em amostras fáceis de recolher, como a saliva, a urina ou até o ar que expiramos. Ao estudar estas “pistas invisíveis”, pretende-se desenvolver uma solução não invasiva, de baixo custo e escalável, que funcione como um “nariz eletrónico” para identificar quem tem maior probabilidade de desenvolver este tipo de cancro e deve ser encaminhado para exames de diagnóstico.