Consórcio internacional de investigadores cria a maior base de dados de sempre a reunir registos da atividade cerebral durante o sono e relatos de sonhos. Uma das primeiras análises à base de dados confirmou que os sonhos não ocorrem apenas durante o sono REM, mas também em fases NREM, mais profundas e calmas. Nestes casos, a atividade cerebral assemelha-se mais à vigília do que ao sono profundo, como se o cérebro estivesse “parcialmente acordado”.
Um terço da vida de um adulto saudável é passado a dormir e, uma parte significativa desse tempo, a sonhar. Ao longo da noite, em qualquer fase do sono, podem ocorrer repetidamente experiências conscientes subjetivas a que chamamos de sonhos.
O interesse pelos sonhos remonta a milhares de anos, desde o antigo Egito, passando pela antiga Mesopotâmia ou a antiga Grécia, e atravessa várias culturas e tradições. Apesar de os sonhos despertarem uma enorme curiosidade popular, o seu estudo tem um elevado interesse científico, na medida em que apoia diversas áreas de investigação, incluindo temas clínicos (como as parassónias, de que o sonambulismo é exemplo), neurocognitivos (como aprendizagem e memória) e fundamentais (como os correlatos neuronais da consciência).
Inúmeros estudos têm sido realizados sobre o que ocorre no cérebro humano durante o sonho, contribuindo para avanços significativos na exploração científica da consciência humana. No entanto, até à data nunca tinha havido integração de dados para se poderem analisar os resultados obtidos de forma abrangente.
Neste contexto, um consórcio internacional de investigadores, que incluiu Giulio Bernardi (IMT School for Advanced Studies Lucca, Itália), apoiado pela Fundação Bial, criou a DREAM - Dream EEG and Mentation, a maior base de dados de sempre a reunir registos da atividade cerebral durante o sono e relatos de sonhos. Esta coleção única permite estudar os sonhos com uma escala e rigor nunca alcançados, e resolve um dos maiores desafios da investigação nesta área, a escassez de amostras de dados extensas, comparáveis e acessíveis.
Reunindo registos multicêntricos de eletroencefalografia (EEG), magnetoencefalografia (MEG) e relatos de sonhos, a DREAM integra mais de 2600 despertares, de 505 participantes, provenientes de 20 estudos diferentes e está disponível para consulta livre em
monash.edu/dream-database, aceitando contribuições de laboratórios de todo o mundo.
No artigo
A dream EEG and mentation database, publicado na revista científica
Nature Communications, os autores apresentam a DREAM e também as primeiras análises a esta base de dados, que revelaram resultados surpreendentes ao confirmarem que os sonhos não são exclusivos do sono REM (a fase em que o cérebro está mais ativo e os olhos se movem rapidamente), mas também ocorrem durante o sono NREM, nas fases mais profundas e calmas. Curiosamente, quando há sonhos em NREM, a atividade cerebral é mais parecida com a da vigília do que com o sono profundo, como se o cérebro estivesse “parcialmente acordado”.
Além disso, os investigadores aplicaram algoritmos de inteligência artificial para analisar os padrões da atividade cerebral antes de cada despertar. Com esses dados, conseguiram prever se a pessoa estava a sonhar ou não naquele momento, com resultados consistentes. Esta abordagem inovadora poderá, no futuro, permitir identificar com maior precisão não só quando estamos a sonhar, mas também que tipo de experiência estamos a viver durante o sono.
Giulio Bernardi recorda que “o trabalho apresentado no artigo, coordenado pela Universidade Monash (Austrália), resultou do esforço de 53 autores de 37 instituições de 13 países, e representa um passo decisivo na exploração científica da consciência humana ao reunir e disponibilizar num só espaço décadas de investigação sobre os sonhos”.
Saiba mais sobre o projeto “91/20 - Mentation report analysis across distinct states of consciousness: A linguistic approach”
aqui.