Estudo analisou a atividade cerebral de cadetes militares e civis enquanto tomavam decisões morais e concluiu que a perceção de sermos os autores das nossas ações e das suas consequências diminui quando seguimos ordens, quer sejamos civis ou militares. A compreensão de como o cérebro processa a responsabilidade moral é importante pelas implicações que pode ter na ética, justiça e psicologia do comportamento humano.
Apesar de podermos tomar algumas decisões livremente na nossa vida diária, uma parte significativa das escolhas que fazemos são condicionadas por regras estabelecidas pela sociedade ou por outros indivíduos, que podem influenciar fortemente os nossos comportamentos. Numerosos exemplos históricos e da investigação experimental demonstraram que as restrições à liberdade de escolha podem levar a comportamentos que causam danos graves aos outros. Assim, compreender como as pessoas tomam decisões morais e os processos neurais subjacentes a essas decisões são questões científicas e sociais críticas, particularmente para uma melhor compreensão dos atos ilícitos.
Um processo neurocognitivo fundamental para a tomada de decisões é a chamada sensação de agência (SoA), que se refere à perceção de sermos autores das nossas ações e das suas consequências, assumindo assim a responsabilidade pelas nossas próprias escolhas. A SoA é um processo cognitivo que parece ser reduzido quando os indivíduos obedecem a ordens, por oposição a tomarem decisões livres.
Estudos anteriores mostram que essa sensação de facto diminui quando obedecemos a ordens, reduzindo a nossa perceção de responsabilidade. Este efeito é particularmente relevante em contextos onde seguir ordens faz parte da rotina, como no meio militar.
Para aferir se a base neural da SoA durante a tomada de decisões morais difere entre populações civis e militares quando tomam decisões livres ou coagidas, ocupando diferentes posições dentro de uma cadeia hierárquica, Axel Cleeremans (Center for Research in Cognition and Neuroscience, Université libre de Bruxelles, Bélgica) e colaboradores utilizaram a ressonância magnética funcional (fMRI) para analisar a atividade cerebral de 19 cadetes militares e 24 controlos civis enquanto tomavam decisões morais.
No artigo “
Neural correlates of the sense of agency in free and coerced moral decision-making among civilians and military personnel”, publicado em março na revista científica
Cerebral Cortex, os autores explicam que na experiência realizada os participantes podiam escolher livremente ou obedecer a ordens para infligir um choque ligeiro a uma vítima. A SoA foi avaliada através da ligação temporal, um fenómeno em que a perceção do tempo entre ação e consequência se altera consoante o grau de voluntariedade da decisão.
Os resultados do estudo, apoiado pela
Fundação BIAL, revelaram que a SoA diminui quando seguimos ordens, independentemente de sermos civis ou militares, ou seja, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, sugerindo que a base neural da tomada de decisões morais é consistente, independentemente do ambiente profissional. Além disso, várias regiões cerebrais, incluindo o lobo occipital, o giro frontal e o precuneus, estiveram associadas a esta perceção.
Axel Cleeremans realça que, “além de confirmarmos que a perceção de sermos os autores das nossas ações e das suas consequências diminui quando seguimos ordens, também não se verificaram diferenças entre militares e civis, o que sugere que os ambientes quotidianos têm uma influência mínima na base neural da tomada de decisões morais, permitindo a generalização dos resultados”.
Embora estes resultados possam sugerir que os efeitos da coerção no cérebro são generalizáveis a todas as populações, é importante sublinhar que, neste caso, os participantes militares eram oficiais treinados para assumir a responsabilidade pelos seus atos. “Podemos interrogar-nos se o facto de se ser um mero executante influenciaria estes resultados, já que um estudo anterior mostrou que ocupar uma patente militar baixa teve um efeito prejudicial no SoA. Isto sugere pistas importantes para a formação em responsabilidade”, afirma Cleeremans.
Saiba mais sobre o projeto “150/18- A neuroscience approach to investigating how hierarchy influences moral behaviour”
aqui.