Investigadores do projeto SmartVote, no qual participa a Universidad Carlos III de Madrid (UC3M), realizaram um estudo que analisa o impacto da desinformação digital nos processos eleitorais, tanto em Espanha como em Portugal. O relatório revela uma crescente preocupação social com a manipulação da informação, mas também mostra o elevado grau de ceticismo da Geração Z (jovens entre os 18 e os 24 anos) em relação às fontes de informação tradicionais e às novas ferramentas baseadas na inteligência artificial (IA).
Esta investigação faz parte do projeto SmartVote, que reúne mais de vinte investigadores espanhóis e portugueses de seis organizações diferentes, no âmbito do qual estão a criar uma ferramenta para identificar notícias falsas (através da identificação de manipulação de imagens e vídeos), a divulgação de sondagens enganosas, a descontextualização e as fake news. “A narrativa mais utilizada para desinformar é a da fraude eleitoral”, explica uma das autoras do estudo, Carolina Fernández Castrillo, do Departamento de Comunicação da UC3M. “E a amplificação da desinformação pelos partidos políticos é um fator-chave na sua propagação e na credibilidade percebida”.
De acordo com o mesmo relatório, os partidos de extrema-direita, como o Vox, em Espanha, ou o Chega, em Portugal, destacam-se como as principais fontes de disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais. “Há uma certa homogeneidade ibérica em termos de desinformação, com estes partidos políticos a adotarem estruturas e narrativas de desinformação semelhantes”, afirma o coordenador do relatório, Miguel Paisana, investigador do Observatório da Comunicação (OberCom) em Portugal.
Este relatório é o primeiro publicado pelo projeto SmartVote, no qual participam, para além da UC3M e do OberCom, o Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas (CENJOR), o Club Abierto de Editores (CLABE) e a Universidad Politécnica de Madrid (UPM). Este consórcio ibérico é liderado pela Fundación Cibervoluntarios.
A dimensão ibérica do projeto implica um nível adicional de complexidade em termos de participação e intervenção, de acordo com os autores do relatório. “Enquanto Espanha enfrenta uma maior polarização política e uma resposta institucional mais forte à desinformação, Portugal permanece menos polarizado, mas cada vez mais exposto à instabilidade política e à desinformação digital, com abordagens regulatórias mais suaves. Nos últimos anos, as eleições antecipadas tornaram-se mais comuns em ambos os países, levando a ciclos de governo mais curtos e a uma maior instabilidade política”, afirma o coordenador do relatório, Miguel Paisana, investigador do OberCom.
A imprensa, em segundo plano
Os dados do inquérito mostram, por sua vez, que os espanhóis utilizam mais as redes sociais para se informarem sobre questões eleitorais e que a televisão está em segundo plano. Em Portugal, no entanto, esta ordem inverte-se. E a imprensa, em ambos os casos, mantém-se afastada desta realidade. A confiança nas notícias, por sua vez, é significativamente maior em Portugal (56%) do que em Espanha (33%). No entanto, este valor diminui ainda mais entre os jovens espanhóis (19%). Além disso, há uma diferença de género, com as mulheres jovens a mostrarem uma maior relutância em serem informadas sobre questões eleitorais através de notícias geradas por IA.
Para combater a desinformação, o relatório insiste na necessidade de promover a literacia mediática, não só entre os jovens, mas também de forma intergeracional. “A desinformação afeta diretamente a qualidade da democracia e influencia as intenções de voto. Já vimos isso em processos como o Brexit. Se queremos combater este problema, temos de pensar em estratégias educativas dirigidas a estudantes, jornalistas e cidadãos, porque não se trata apenas de identificar fake news, mas de compreender como funcionam as eleições e porque é essencial estar informado de forma crítica e responsável”, comenta outro dos autores do relatório, Raúl Magallón Rosa, do Departamento de Comunicação da UC3M.
O relatório reúne a análise de 125 iniciativas contra a desinformação, 52 das quais já utilizam a IA ou machine learning. Projetos europeus como o AI4Trust ou o AI-CODE destacam-se por combinarem estas tecnologias com processos de verificação humana, com o objetivo de melhorar a qualidade da informação e apoiar os profissionais dos media no seu trabalho. “Embora a IA mostre o seu potencial para automatizar a deteção de conteúdos, a sua utilização suscita preocupações éticas sobre a transparência, a liberdade de expressão e a privacidade”, afirma o relatório.
O projeto SmartVote visa combater a desinformação de três formas: em primeiro lugar, através da literacia mediática; em segundo lugar, através de várias ações educativas dirigidas a jornalistas, estudantes de jornalismo e jovens interessados no tema da desinformação nos processos eleitorais; e, em terceiro lugar, através da conceção de uma ferramenta para identificar a desinformação na Internet.
Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=S2sEQya9NKs